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Conceitos, como o da neutralidade, não fazem mais sentido; é preciso tomar posições, agir e se colocar.

O livro The power of now (O poder do agora, na edição em português, editora Sextante), do autor alemão Eckhart Tolle, publicado pela primeira vez em 1997, se tornou um guia do que anos mais tarde ficaria conhecido como mindfullness. A teoria de Tolle é que os seres humanos têm uma forma bastante peculiar de ver a vida. A maioria de nós a imagina como uma linha reta, que vai do nascimento até a morte. O momento atual é apenas um ponto que vai se deslocando, cada vez mais longe do nascimento, cada vez mais próximo da morte. Para ele, essa é uma maneira extremamente equivocada de ver a vida. E exatamente a razão que leva muitas pessoas aos sofrimentos.

A ideia defendida por Tolle — que encontra ressonância em muitas filosofias orientais antigas, como o budismo — é que a vida é somente o ponto. Não existe a linha reta.

Você pode sofrer um acidente de carro no caminho de sua casa para o trabalho ou ter um ataque cardíaco na hora do almoço e morrer em frações de segundo. Embora conscientemente saibamos disso, não é assim que agimos. Agimos quase sempre como se estivéssemos caminhando na imaginária linha reta. Eckhart Tolle defende que absolutamente nada existe fora do momento presente. Nem nós mesmo existimos. O passado é apenas uma série de lembranças e o futuro apenas uma série de expectativas.

Recorro ao Poder do Agora para falar deste 2020 que se descortina diante de nossos olhos procurando tecer um cenário desprovido de dor e sofrimento, algo que, pelo menos para mim, voltou com uma certa carga ao longo de 2019. A tarefa, no entanto, é hercúlea. A onda conservadora que tem varrido alguns países como Reino Unido, Estados Unidos e, mais de perto, o Brasil, tem como pano de fundo rancor, ressentimentos, negacionismo e uma narrativa de que um passado brilhante e vigoroso tem que ser resgatado agora, custe o que custar.

A boa notícia é que alguns movimentos e avanços civilizatórios brotaram na sociedade, saíram da caixa que estava guardada no fundo do armário da conveniência social (e econômica) e ganharam voz, visibilidade e espaço numa nova caixa, agora com ressonância amplificada pela tecnologia.

O Brasil que chega em 2020 está ainda atordoado e mais dividido do que nunca num processo que teve início quase sete anos atrás, nas chamadas Marchas de Junho de 2013. A antítese à complexidade e ao mundo Vuca (sigla em inglês para volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade) que se configura tem sido um binarismo primário de dividir o País entre esquerda e direita, numa narrativa rasa e simplista, mas que, exatamente por isso, encontra muita reverberação da nossa sociedade polarizada que sempre se enamorou pelo discurso fácil e populista.

Não há dúvidas de que, no contexto macroeconômico, os indicadores são bastante positivos e tudo leva a crer que a curva de inflexão do crescimento comece a mudar para cima, finalmente, após meia década de crise seguida por estagnação. Para as marcas, essa pode ser uma oportunidade para também saírem do armário, assim como o Brasil como sociedade tem saído cada vez mais (para o bem ou para o mal), mostrando suas entranhas.

Neste contexto, alguns conceitos não fazem mais sentido como o da neutralidade. É preciso tomar posições, agir e se colocar. As áreas de comunicação corporativa de algumas empresas ficam ainda arrepiadas quando esse assunto é aventado. Afinal, durante muito tempo, foram forjadas dentro da premissa de mitigar riscos. No entanto, a comunicação em rede e a formação de comunidades tem subvertido essa lógica impondo novos desafios para a reputação e voz das marcas.

O risco de não se posicionar em determinadas situações é simplesmente ficar invisível e daí para a irrelevância é mera questão de tempo. Inspiradas entre outras por campanhas de marcas como Nike, aqui no Brasil algumas empresas também têm conseguido dar seu recado de forma criativa no cenário polarizado como tem feito com muita sagacidade o Burger King, por exemplo.

Algumas questões caras nessa virada de década (mesmo que oficialmente comece só daqui a 12 meses) são urgentes. A primeira delas e que tem impacto direto principalmente nas agências diz respeito à diversidade e inclusão. Especialmente depois da assinatura por parte de algumas das maiores agências do Brasil do pacto com o Ministério Público do Trabalho com o compromisso de aumentar sistematicamente a contratação de profissionais pretos e pretas em seus quadros. Um processo ainda lento, mas que, ao longo de 2019, ganhou muito mais eco e é irreversível.

Outra pauta inexorável destes tempos atuais é a emergência climática, escolhida pelo dicionário Oxford como a “palavra do ano” de 2019. Esse foi, sem dúvida, um dos assuntos que mais tomaram conta da agenda midiática ao longo do ano passado. Infelizmente, o Brasil não apareceu bem na foto por ter perdido a posição de outrora como um dos protagonistas da diplomacia ambiental global devido a uma guinada radical de posicionamento político e visão de mundo, na contramão da agenda planetária. Nesse contexto, marcas como Natura tem conseguido fazer um trabalho importante de se colocar diante de uma questão tão sensível neste atual contexto.

Legitimidade e consistência devem ser, antes de tudo, os vetores desse movimento. Afinal, a agenda neoliberal em marcha abre espaço para a iniciativa privada protagonizar ações em áreas da agenda social. E isso é uma super oportunidade para marcas, profissionais e indivíduos.

Na minha lista pessoal de resoluções para 2020, tenho como única meta um processo que começou em dezembro e que quero incorporar à minha vida: a de iniciar uma dieta vegana. Como se trata de uma mudança grande de hábitos que extrapola a alimentação, optei por um período de transição ao longo destes próximos doze meses. Adotarei o veganismo três dias por semana. Descobri que esse regime se chama flexitarianismo. Como já aboli carne vermelha e de aves desde 2005, dou agora mais um passo para uma vida mais saudável e com menor impacto ambiental. Sem radicalismos. Um caminho do meio. Algo cada vez mais raro nestes tempos de polarização.

Assim, tentando caminhos que façam as pontes entre os extremos e com foco em viver o agora me abro para o novo ano com a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo.

Publicado no site Meio & Mensagem.

 

Fonte: Regina Augusto - Managing Diretor de PR&Influence da Ogilvy Brasil

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