Tatiana (nome fictício) trabalhava em uma multinacional como trainee corporativo. Entre as suas tarefas, estava a de dar aula de Excel para os todos os estagiários da empresa. Foi assim que ela conheceu e se aproximou de Heitor (nome fictício), um dos estagiários de marketing da companhia. Uma cantada aqui, outra ali e ela resolveu dar uma chance ao rapaz. Só havia um problema: o regulamento da empresa não permitia esse tipo de relacionamento entre funcionários. Além disso, havia outros dois agravantes: ela era do departamento de recursos humanos e o seu chefe, que era responsável por aquele grupo de estagiários, de tempos em tempos tinha feias discussões com o moço e dizia não gostar dele. A solução foi esconder o relacionamento.

Para conversar durante o dia sem dar sinais de que algo estava acontecendo, eles usavam o Messenger interno e nunca conversavam ou almoçavam juntos. Mesmo assim, Tatiana conta que muitas vezes as suspeitas se levantaram: “Uma vez foi em uma sexta, uma véspera de feriado. Nós íamos viajar, então viemos com um carro só para a empresa, com as malas prontas. Especificamente neste dia, meu chefe resolveu ter uma reunião e muitas demandas. No final do dia, só tinha eu trabalhando no departamento e no andar. Tinha marcado de sair às 17h30 e já eram 19h30. O rapaz subia ou ligava toda hora para saber se estava tudo bem e se já tinha acabado e meu chefe ficava perguntando o que ele tanto fazia e porque não ia embora. Eu tentei omitir e costurar a situação, mas o diretor ficou jogando indiretas, dizendo: ‘se ele está pensando que pode ter alguma coisa com você, o regulamento da empresa não deixa”. Foi apenas 4 meses depois que ela contou sobre o relacionamento a um colega de departamento, que também manteve segredo. 6 meses depois, Heitor saiu da empresa por ter encontrado uma oportunidade melhor e o namoro durou 2 anos.

Situações como esta não são novidades nas corporações. O fato é que estas vivem um momento de transição entre o preconceito e a aceitação. O diretor da filial de São Paulo da empresa de recursos humanos Agnis, Sérgio Dalhke Filho, afirma que, quando o assunto é o tabu, as empresas estão divididas: “Esse assunto sempre existiu, mas começou a se tornar mais evidente de uns 10 anos para cá, pois as pessoas começaram a passar muito mais tempo dentro das empresas. Algumas delas percebendo isso, criaram um manual de condutas novo e colocaram o assunto em pauta, outras ainda nada fizeram. Vejo que em alguns dos nossos clientes esse tema ainda é um tabu, mas acredito que a grande maioria das empresas já está mais bem preparada para lidar com essa situação. O departamento de RH das grandes empresas possui um psicólogo, e isso pode facilitar a conversa sobre assuntos polêmicos como este”.

Segundo o diretor, só existe uma maneira correta de lidar com a situação: transparência, bom senso e responsabilidade. “O casal deve analisar o ambiente da empresa e sempre se portar com discrição, equilíbrio e bom senso. O ideal é o casal conversar com os chefes e colocar a situação de forma madura e que garanta o respeito das pessoas envolvidas”. O próprio Dalhke conta um caso que presenciou e acabou mal: “houve um erro grave do casal, que escondeu o romance e as pessoas ficaram criando fofocas em torno deles, foi um caos. Os donos da empresa não gostaram nada e para não criar mais nenhum procedente, resolveram demitir os dois e após isso, criaram um manual de condutas. Estamos lidando aqui puramente com os sentimentos humanos, inveja, raiva, paixão, fofoca. Esses sentimentos juntos e sem controle podem causar estragos”, comenta. “Tudo vai depender de como o relacionamento é mantido dentro da empresa. São muitas situações durante o dia. Imagina se a mulher é chefe? Ou vice-versa? Em casos assim, as coisas podem complicar muito. Tem que haver muito bom senso, respeito pela empresa e discrição. Empresa é hierarquia, tem cargos e autonomias. O peso pode recair sobre o casal e se não tomar cuidado”, esclarece.

Depois de determinado tempo na empresa, Tatiana mudou de setor. Um mês depois, começou a receber propostas do antigo chefe, que era casado: “ele me mandava várias mensagens me chamando para almoçar, viajar. Mandava e-mails com links de praias maravilhosas. Eu ‘dava uma de louca’ nas respostas, porque ele era meu ex-diretor e eu não podia não responder, simplesmente ignorar. Eu tinha que dar alguma resposta, mas não queria dar oportunidade alguma...”.

Situações como esta também são comuns dentro das empresas. O caso é que dificilmente as pessoas sabem diferenciar o que é apenas insistência do chamado assédio sexual. “É outro assunto muito sério e polêmico. Vamos pensar juntos. No caso do romance no ambiente de trabalho, normalmente, são pessoas solteiras, livres e desimpedidas. No caso do assédio, isso pode acontecer entre pessoas casadas, sendo falta de respeito pela moral”, explica Sérgio Dalhke Filho. Identificar é fundamental para saber diferenciar, o que é normal do que pode estar passando dos limites. “Se a pessoa é casada, fica mais fácil, pois saber diferenciar um ‘xavecador’ de um assediador é muito complicado. Veja, se você é casada e o seu chefe sabe disso e mesmo assim fica lhe passando umas cantadas e sempre lhe fazendo elogios mais quentes, pode ser um assédio. Agora se ele somente lhe trata bem com simpatia e educação, mas você percebe que ele te olha diferente, não dá para comprovar assédio”, afirma. Desde maio de 2001 a lei trabalhista brasileira prevê punição para estes casos, previsto no artigo 216-A do Código Penal Brasileiro, punido com detenção, de 1 a 2 anos. Dalhke explica que a maior questão é provar o assédio, que só pode ser comprovado através de testemunhas, provas documentais ou filmes. Algumas vezes até o depoimento de um colega de trabalho pode ser considerado relativo pela justiça. “É um processo muito complicado, pois exigem provas e testemunhas e em muitos casos as pessoas não querem se expor, por medo de perder o emprego”.

Então como agir quando uma situação dessa bater à porta? “Se é de um colega de trabalho, a melhor coisa é falar com o chefe sobre o que está acontecendo. Se o assédio é do seu chefe, você deve procurar pelo RH da empresa. Assédio sexual é crime. O grande problema está no medo que as pessoas têm em perder o emprego ou a vergonha de ficarem ‘mal faladas’ entre os colegas de trabalho. Denuncie, pois existem leis que protegem a pessoa assediada. O assédio sexual costuma devastar a cabeça da pessoa que foi vítima. As mulheres são as que mais sofrem hoje em dia e elas chegam até a pensar que teriam facilitado o assediador a agir”.

Do lado das empresas o diretor dá um exemplo: “na Motorola, aqui no Brasil, o assunto já está citado no manual de procedimentos e condutas para todos os funcionários sem nenhum preconceito ou diferenciação do nível hierárquico. Ações como esta podem ser tomadas pelo RH das empresas, pois irão facilitar o entendimento de todos os funcionários de que a empresa possui um código de ética, procedimentos e conduta estabelecidos e que problemas serão tratados a risca. A informação é sempre a melhor solução”, aponta.

Em dezembro de 2010, Tammy foi contratada por uma agência de marketing. Um mês depois foi apresentada a Renato, que vinha reassumir a área de produção de eventos. Com o passar do tempo e dos trabalhos feitos em conjunto, os papos passaram a tratar também sobre a vida pessoal e eles descobriram afinidades em comum. Alguns colegas de trabalho dos dois já sentiam a aproximação e faziam brincadeiras.

Certo dia, Renato comentou que gostaria de assistir a peça Mamma Mia. Tammy respondeu que também gostaria de ver, já que amava musicais. E assim estava montado o primeiro encontro. Depois do espetáculo, os dois decidiram “esticar” a noite em uma balada. Foi ali que o primeiro beijo aconteceu, que segundo ambos, foi totalmente inesquecível e um tanto inexplicável. Dali, o romance cresceu até a decisão pelo namoro, que inicialmente também ficou entre eles. “Passamos a contar depois de uns 2 meses, mas apenas para as pessoas mais próximas. A reação do pessoal foi muito normal, pois já percebiam que rolava algo entre nós. Apenas um dos sócios que é muito amigo do Renato ficou chocado. Porque conhecendo ele sabia que isso iria acontecer...”, conta Tammy.

Hoje, ainda trabalhando juntos e a alguns passos de distância do altar, o casal afirma que ainda existe muito preconceito nessas situações, especialmente de funcionárias e proprietários, pois a primeira coisa que vem à mente das pessoas é o “golpe do chefe”. “Elas acabam nos julgando sem saber o que acontece. Desse relacionamento tudo pode acontecer, assim como aconteceu com a gente e acabar em casamento”, diz. Com relação à rotina de trabalho, Renato diz que o fato de amarem a área onde estão inseridos acaba facilitando tudo: “Conseguimos passar por tudo isso principalmente porque amamos a área que trabalhamos. Quem sabe se fôssemos de áreas diferentes poderia atrapalhar, por um não entender o que o outro faz, mas isso faz com que fiquemos todo dia mais juntos e melhora e melhora a cada dia”.

Para nunca errar neste tipo de questões, Dalhke Filho dá a dica: “a boa conduta é sempre agir com discrição, respeito, equilíbrio e bom senso, e não mudar a sua forma de trabalho ou agir com a empresa, colegas e com as suas funções. Empresa é para ganhar dinheiro e isso não vai mudar”.